segunda-feira, 19 de março de 2007

OLHEM O MENINO

Precisamos entender o que significa receber Deus nas crianças Jesus e os discípulos chegaram à cidade de Cafarnaum. Quando já estavam em casa, Jesus perguntou aos doze: ‘O que é que vocês estavam discutindo no caminho?’ Mas eles ficaram calados, porque no caminho tinham discutido sobre qual deles era o mais importante. Jesus sentou-se, chamou-os e disse: ‘Se alguém quer ser o primeiro deve ficar em último lugar e servir a todos.’ Aí, segurou uma criança e a pôs no meio deles. E, abraçando-a, disse aos discípulos: ‘Aquele que, por ser meu seguidor, receber uma criança como esta, estará também me recebendo. E quem me receber não recebe somente a mim, mas também aquele que me enviou.’” (Evangelho de Marcos 9, versículos 33 a 37) Imagine a cena: em mais um momento de disputa entre os seus discípulos, o Mestre traz uma criança como o foco que não se deve perder quando o assunto é hierarquia no Reino dos céus. Faz-se mister olhar meninos e meninas diante de uma estrutura hierárquica do sacerdócio evangélico que nos remete ao pináculo do templo freqüentado e disputado pelos vocacionados a tronos e proeminências. Somente o evocar do exemplo maduro da criançada será capaz de exorcizar esse nosso jeito lúcifer de ser, sempre presente no infantilismo de criançolas que aspiram uma promoção a pastor, bispo, apóstolo, paipóstolo, arcanjo, apóstata e anátema. As infâncias que pensamos proteger prosseguem blindando nossas humanidades na jornada dos adultos cegos ou quase míopes para aquilo que Phillip Yancey chama de rumores de um outro mundo. Como todo pai quase atento, meus pimpolhos acenam diariamente com saberes transcendentes para muito daquilo que ainda ignoro. Afirmo que continuaremos desaprendendo sobre a vida enquanto não entendermos que filho, educando e ovelha sempre ensinam pais, educadores e pastores. Henri Nouwen, ao ensinar sobre os muitos pais e mães que existem, diz o seguinte: “Uma das coisas mais belas que pode acontecer na vida humana é que os pais se tornem irmão e irmã em relação aos seus filhos, que os filhos se tornem pais e mães em relação aos pais, que irmãos e irmãs se tornem amigos e que a paternidade, maternidade e fraternidade sejam profundamente partilhados por todos os membros da família em diferentes momentos e em diversas ocasiões.” Spielberg, em seu filme Guerra dos mundos, apresenta-nos Rachel (Dakota Fanning) que, em uma cena do filme, sabe melhor que seu pai, Ray Ferrier (Tom Cruise), discernir entre fogos de artifício e artefatos de guerra. A associação é inevitável, pois vivemos em tempos de muitas pirotecnias e histerias narcísicas nos arraiais evangélicos. Saber discernir a belicosidade que alimenta as nossas guerras santas é dom exclusivo dos que se recusaram a deixar de ser crianças para tornar-se adultos adoecidos. A fumaceira do espetáculo de crescimento no segmento evangélico camufla as nossas guerras existenciais, relacionais e institucionais. E as fogueiras de vaidades do alto clero e a subserviência lobotômica do baixo clero definem a nossa espiritualidade de gado - um gado marcado com as iniciais de donos humanos, ou melhor, de péssimos humanos, e tudo isso travestido de um mover de Deus que define o nosso vergonhoso e triste jeito de ser evangélico. E o pior é que essa vida de gado não nos permite questionar a sacralização despudorada do mercado gospel, que transforma o ministro do Evangelho em vendedor de Deus com Bíblia e o sentimento de pertencer a uma igreja em mais um mesquinho sonho de consumo, sob as bênçãos de Mamon. Daí a urgência em voltarmos os nossos olhares para os meninos e meninas, as crianças. Isso seria um exercício de humildade, e como escreveu um anônimo pai do deserto: “A humildade é considerada pelos monges como a virtude mais elevada, pois faz com que o ser humano possa erguer-se até de um abismo, mesmo que o pecador seja como um demônio”. Somente aqueles que não negligenciam o seleto e pequeno grupo dos humildes sábios serão capazes de vislumbrar a única e sensível senda do autoconhecimento. Unamuno orou: “Alarga a porta para que eu passe, ou, então, me diminua para que eu passe e volte a sonhar”. Cristo convida-nos a orar pedindo que voltemos a ser crianças para podermos entrar, entender e viver no Reino de Deus. Bem-aventurados os que vêem o menino correndo e enxergam o tempo além do registro do cronômetro. Bem-aventurados os que miram a oportunidade além dos oportunismos e vislumbram as chances e desafios conscientes da profanidade que há em nossos enormes e indisfarçáveis egos. Bem-aventurados os que enxergam a única chance que temos de sermos pessoas, famílias, amigos, igrejas, segmentos e religiosos melhores. Essa bem-aventurança dos aprendizes de novo denuncia a neofobia dos velhos inseguros que temem por seus cargos e seu status. A criança como paradigma maior sempre foi invocada pelos grandes mestres. O sábio galileu já dizia: “Deixai vir a mim os pequeninos”. Pois que ele abrace crianças e as coloque diante dos nossos olhos competitivos e altivos. Assim, entenderemos o que significa receber Deus nas crianças e aprenderemos a ser recebidos como a ele ao nos transformarmos em meninos e meninas.

autor desconhecido

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