sábado, 3 de março de 2007

POR UMA IGREJA COM CARA DE IGREJA LIVRE DO IGREJISMO

Alguns dias atras fui com minha namorada a uma igreja em sua cidade natal na Alemanha ouvir a apresentacao de uma orquestra sinfonica. Eu já sabia que seria muito bom porque o templo dessa igreja é proprio para apresentacoes musicais, sem falar que tudo lá dentro é de uma beleza refinada desde o piso, os bancos, a iluminacao, os vitrais e até o teto, tudo é detalhadamente bem feito. Alias, abrindo um parenteses: se Deus quiser, é nessa igreja onde irei me casar.Como já é um pouco normal para mim, chegamos em cima da hora e a programacao já estava comecando. Todo o piso inferior estava lotado, tinhamos que subir para o saguao, a plateia toda estava num silencio mortal, e nós quase nao respiravamos para nao incomodar os outros. Achamos. Dois lugares vazios. Perfeito. Sentamos entusiasmados, como quem iria saborear um belo banquete, como quem teria uma grande noite promovida pelas sinfonias de Mozart.Olho para o meu lado e vejo minha linda mulher que me dá um sorrizinho de me fazer respirar fundo, eu tambem devolvo outro para ela. Um beijinho rapido. A vida parece ser perfeita. Nesse instante a gente já podia escutar o ruido dos passos do maestro rumo à orquestra. Agora o barulho dos musicos se colocando de pé para cumprimentar o regente. Eles sentam-se novamente. Finalmente vai comecar. Acomodo-me melhor e levanto minha cabeca para comecar a assistir. Nao! Agora o barulho das pastas com as cifras que se abrem. Eu só posso escutar! Nao! O que é isso? Para minha terrivel surpresa um problema que veio para estragar toda a nossa noite: eu nao tinha percebido que naquele lugar onde estávamos sentados a nossa visao estava encoberta pelo para-peito a nossa frente. Oras, tambem foi tudo muito rapido, nós chegamos e já nos sentamos, já estava para comecar e nós nao queriamos incomodar ninguem, agora o concerto comecou e o tal para-peito se parece mais é com as muralhas de Jerico, para nao falar em muro de Berlim.Imagine voce, aquele som maravilhoso que faz brotar uma curiosidade enorme de ver sendo tocado por quem entende de musica. É normal, todo mundo quer ver os instrumentos, a forma do regente, os tambores, os pratos, o movimento dos violinos e o conjunto todo fazendo o espetaculo. Eu tambem queria. Era um misto de prazer azedo e raiva adocicada, pois para piorar, da posicao em que estavamos, o para-peito nem estava tao pequeno que nos permitisse ver, e nem tao alto que nao pudessemos ver nada, afinal, ainda podiamos avistar as pontinhas das cabecas dos musicos se mechendo la em baixo. Uma tortura. Tambem foi um teste de auto-controle pois a vontade de ficar de pé era imensa, mas isso nao fizemos porque todos atras de nós estavam conformadamente sentados. Enfim, tudo isso foi uma experiencia angustiante.Quando eu comecei a me acalmar e desistir de querer assistir aquela apresentacao, algumas ideias tambem comecavam a se reacender e organizar no meu coracao com relacao ao tema Igreja. E alem disso, uma vontade grandiosa de proclamar a todos que desejam uma igreja diferente e verdadeira.Esse acontecimento foi para mim como uma metafora, na qual tudo o que ali se passava vinha para mim traduzida em forma de licoes do que a igreja tem sido hoje e que na verdade ela nunca deveria ter sido.A primeira licao vem do fato de que fui naquela igreja para „assistir“ uma „apresentacao“. Eu nao fui naquela igreja para encontrar com quem quer que fosse. Eu nao queria me reunir com amigos, com quem pudéssemos conversar, orar, estudar ou qualquer coisa em que eu pudesse participar ativa e dinamicamente. Eu estava lá apenas para assistir uma apresentacao, e isso a tal ponto que minha grande frustacao se inicia no momento em que „levanto minha cabeca para comecar a assistir“ e nao posso ver. A igreja de hoje tem embutida dentro de si a mesma logica; as pessoas vao ao culto, por exemplo, para „assistir“ a apresentacao de uma banda chamada de „grupo de louvor“ e apreciar a apresentacao de oratoria de um homem chamado de pastor. Nesse caso, ao inves da igreja ser viva e atuante, ela nao passa de uma simples „plateia“. E para piorar, todos os domingos sao a mesma coisa.Uma igreja de verdade nao é feita de espectadores e nem de adoradores presos a liturgia dominical. É feita sim de gente livre da agenda religiosa que diz que o domingo é dia de culto porque é „dia do Senhor“, alias, o culto de domingo é importante mas nao representa nem 2 por cento da vida da igreja. A segunda licao é que, como eu já disse, o templo daquela igreja era „proprio para apresentacoes“. Aqui nao quero dizer que um templo, ou melhor, um salao de igreja nao possa ser projetado para apresentacoes, que bom que a sua é assim, mas melhor seria se todas fossem de acordo com a visao pratica que a igreja se propoe a cumprir na sua comunidade. Oras, sobre o que eu estou falando? Nao, nao falo sobre arquitetura. Estou me referindo a um pensamento subterraneo do qual nós, a igreja do Novo Testamento, ainda nao estamos livres: o pensamento judaico de que o templo é a casa de Deus. Hoje o templo-salao da igreja é projetado para apresentacoes-cultos pois é tido como sagrado. Pensa-se ainda que Deus mora lá, e que por isso, deve ser ultilizado só para cultos. Na verdade, a igreja sacralizou o que nao devia e agora nao sabe o que fazer com tanto espaco ocioso sacro no meio de comunidades carentes. Observe que a maioria dos templos ficam fechados a semana toda e abrem as portas para o povo apenas 2 horas por domingo. (Se Deus mora no templo, ele tem muito pouco tempo de liberdade.)A igreja inserida numa comunidade carente, como é o caso de maioria das igrejas no Brasil, deve ser pensada e projetada para o uso do povo e jamais para meras apresentacoes dominicais. Tenho o exemplo da Comunidade Evangelica Nova Aurora no centro de Sao Paulo que construiu o seu templo para estar aberto para o povo 24 horas por dia. Na verdade eles construiram uma quadra poliesportiva e multi-uso, onde alem dos esportes que acontecem na quadra, os moradores de rua comem, o culto acontece, e a noite ainda é um albergue. Para eles é simples, é só trocar a bola pelas cadeiras, as cadeiras pelos colchoes, e depois os colchoes pela bola. (Se Deus morasse no templo, nessa igreja ele teria 70 pessoas Lhe fazendo companhia todas as noites.)Finalmente a ultima que licao que tive ali nasceu da situacao de que „eu nao tinha percebido que naquele lugar onde estávamos sentados a nossa visao estava encoberta pelo para-peito a nossa frente“. Demorou para eu me tocar de que a minha visao estava comprometida, ou pior, demorou para eu perceber que eu nao via nada alem de mim mesmo. Quero dizer que nao vi o concerto, mas que nao vi tambem o mais importante da igreja, as pessoas. Todos conformadamente sentados e eu procurando esquivar minha vista para encontrar a orquestra. Pergunte-me sobre as pessoas ao meu redor e tudo o que saberei dizer sobre eles é que tinham cabelos loiros e nuca branca, mais nada. Assim como entrei sem que me percebessem, assim saimos todos, sem quase nem um olhar nos olhos.As vezes parece-me que a igreja é projetada para que as pessoas nao se vejam; voce entra, senta de costas para mim, fica de pé, levanta as maos, bate palmas, senta de novo, escuta o pastor, ora, levanta e vai embora. Claro, as vezes trocamos um „boa semana“ ou um congelante „eu te amo em Cristo“. Pelo amor de Deus, para que existe a igreja senao para promover a comunhao das pessoas? Vejo que em geral a igreja se parece com um cinema, as pessoas entram, assistem o que querem pois dependendo da atracao elas nem entram, pagam o seu bilhete, depois vao para casa. Nao existe vinculo nem compromisso. É a „cinemizacao“ da igreja. É o culto pelo culto. É a boa obra morta. Ir na igreja porque tem que ir na igreja. É a doenca que persegue a igreja, o „igrejismo“.Quer uma prova? Vá domingo na igreja e veja se nao é assim que as coisas acontecem: o culto comeca com a leitura de um texto biblico, provavelmente em Salmos, fazem uma oracao, cantam musicas, oracao, mais musicas, hora da oferta, oracao, musica, momento dos avisos, as criancas vao para sua „aulinha“, hora da pregacao, oracao, talvez mais uma musica e entao „boa semana“. Vá no proximo domingo e voce verá tudo isso de novo. Esse modelo de culto foi herdado da missa catolica e aperfeicoado pela reforma, em seguida foi sacralizado pelo puritanismo e trazido na bagagem dos missionarios americanos e europeus para o Brasil. Assim veio, assim ficou. Os brasileiros deixaram o que nao era sagrado se sacralizar a tal ponto que hoje o povo se sente mal se alguma coisa no culto nao estiver dentro da ordem liturgica. Ninguem fala, mas todo mundo pensa que o esquema é santo. Ninguem sabe porque é assim, só sabe que assim tem ser feito. Pergunto: assim está certo? Resposta: sim. Outra pergunta: Por que? Outra resposta: porque sim. Resumindo, igreja se esqueceu de que Deus nao gosta de „vas repeticoes“.Muitas coisas precisam mudar na minha e na sua igreja se queremos uma igreja contextualizada, viva e atual no mundo. Uma igreja livre dos gessos tradicionalistas e das esquizofrenias fundamentalistas. É hora de ousar repensar e rever. É hora de uma igreja diferente surgir sem medo de ser feliz. É necessario abrirmos mao de tudo que é estaticamente tradicionalista para nos apegarmos aos verdadeiros principios imutaveis da Palavra que de tao imutaveis nos renovam todos os dias. É hora de surgir uma igreja com cara de Igreja, uma igreja livre, leve e solta. Uma igreja com o jeito do povo dessa terra. Uma igreja sem medo de romper com os esquemas pre-determinados, uma igreja com a cara de Jesus.

AUTOR DESCONHECIDO

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